Seria
tão bom um mundo em que as pessoas não falassem. As palavras com frequência
causam desentendimentos, bate bocas. Será que os surdos mudos brigam? Pense um
pouco: você chega numa banca, aponta o jornal, paga, e nenhuma palavra é
necessária. Num restaurante, é possível fazer o pedido apenas apontando para o
cardápio seja para as comidas, seja para as bebidas, e, se for uma
cerveja, basta levantar o polegar e a loirinha virá estupidamente gelada.
Os
filmes seriam todos mudos, como já foram, e todos entenderiam tudo, como já
entenderam, pois um olhar é suficiente para mostrar qualquer emoção.
Começando
pelo elementar: é possível distinguir, pelo olhar, um sim de um não, seja na
hora de procurar um trabalho, seja na hora de cortejar uma mulher. Por acaso, é
preciso algum som, alguma palavra, para um homem perceber quanto ela está encantada
com a presença dele ou quanto gostaria que ele sumisse do mapa? Um olhar pode
ser mais eloquente do que um Aurélio inteiro. Para ser generosa, é preciso
falar? Para mostrar que se tem carinho, ódio, autoridade, rigor, bom humor,
honestidade, é preciso pronunciar uma palavra que seja? É preciso mais do que
um olhar para saber se alguém é sério ou malandro?
Sons,
sim, mas só os musicais. Os passarinhos poderiam continuar cantando, o barulho
do vento seria sempre bem vindo e as ondas do mar quebrando na praia
continuariam fascinando todos. Os estrondos das trovoadas também poderiam
acontecer às vezes para rapidamente deitarmos a cabeça no ombro do homem amado,
pensando que ali o raio não iria, nunca, nos atingir. Tudo isso sem que uma só
palavra fosse dita e precisa? Palavras, sim, mas só as escritas. Crianças são
bem mais espertas do que se imagina; quando elas não gostam de alguém,
geralmente têm suas razões, sem que esse alguém as tenha insultado com
palavras. É só no olho elas entendem das coisas. Uma mulher sabe perfeitamente
com que intenções um homem a encara e sabe também responder à altura: dá o
sinal verde ou o vermelho sem precisar emitir um único som. Aliás, algumas são
muito mais sensíveis a um olhar do que às conversas; a essas elas já estão
acostumadas, e nelas não devem acreditar. Existe também o pior de todos os
olhares: aquele frio, desinteressado, indiferente. Quando você suspeita que
alguém está mentindo, a primeira coisa que diz é: “Quero ver você dizer isso
olhando nos meus olhos”. Dificilmente alguém consegue sustentar uma mentira com
os olhos; só a atriz Meryl Streep, talvez.
Um mundo silencioso, em que as pessoas se entendessem apenas
pelo olhar, seria mais verdadeiro, mas talvez impossível, já que as palavras
foram inventadas com uma única finalidade: esconder os pensamentos. Por mais
ingênua que seja uma mulher, ela sempre intercepta o olhar de desejo do seu
homem por outra mulher, mesmo que ele dure uma fração de segundo, às vezes
antes de ele mesmo perceber. E, quando isso acontece e ela demonstra ciúmes, é
chamada de louca.
Danuza Leão
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